Curta 'Estranho Ímpar', de Beto Oliveira, estreia esta sexta no Sesc


(Reprodução)

Por Naiara Lima

A sexualidade na infância é o principal tema do curta-metragem Estranho Ímpar, do diretor piracicabano Beto Oliveira. Para mostrar ao público local a obra que teve como inspiração um poema de Carlos Drummond de Andrade, o Sesc Piracicaba promove nesta sexta-feira (16), às 20h, uma sessão especial de cinema. Será dentro do projeto Prata da Casa, com entrada gratuita.

O filme tem 20 minutos de duração e traz à tona temas que, na opinião do diretor, começaram nos anos 1980 e ainda repercutem na formação da sexualidade. O elenco traz atores locais mirins e adultos: Samuel Silveira, Danielle Caroline Oliveira, Victor Coral, Fernanda Moreno, Alison Falconeres, Silvana Lima, Néya Pedroso, Allan Teixeira e Raul Rozados.

A atriz e diretora teatral Thais Dias foi a responsável pela preparação do elenco. Também estão na ficha técnica Julia Caprecci (produtora), Inês Cruz (som direto), Marcelo Andrade (gaffer) e Cristina Barreto de Menezes Lopes (direção de arte).

O diretor Beto Oliveira conversou com o PiaparaCultural sobre a produção, sobre o que motivou a escolha do tema, como a inspiração do poema de Drummond foi elaborada pela produção e como o projeto saiu do papel e agora ganha as telas do Teatro do Sesc Piracicaba.

O que te inspirou a usar o poema de Carlos Drummond de Andrade como material de um filme?
Estranho Ímpar é livremente inspirado num fragmento de poema de Drummont: “Ninguém é igual a ninguém. Todo ser humano é um estranho ímpar”, que está em Obra Poética - Volumes 4 – 6 (1989). A inspiração vem fundamentar o filme por desconstruir a ideia de que pessoas podem ser classificadas por raça, cor, credo ou sexualidade. Seres humanos são ímpares, portanto, toda forma de segmentação ou classificação não deveria servir de base para definir pessoas.

O filme, por sua vez, é derivado de pesquisas sobre a infância e a sexualidade, tentando colocar como ponto de questionamento a forma como os adultos enxergam a infância e as questões sobre a formação da sexualidade.

Fale da concepção do filme.
A concepção narrativa conduz o espectador a uma viagem no tempo, para o ano de 1986. Ano em que José Sarney era presidente, ano em que a inflação subia discriminatoriamente todos os dias. Na televisão tínhamos o Balão Magico, Bambalalão, Xou da Xuxa e outros. A década de 1980 foi quando a humanidade descobriu a Aids e quando todo o conceito de sociedade fundamentado nos anos 1960/1970 caísse, por conta do medo das pessoas de uma doença sem cura. A forma de se enxergar a sexualidade mudou drasticamente, e um novo pavor se instaurou.

Os adultos modernos, que viveram os anos 1960 e 1970 buscando a liberdade sexual, agora enxergam o sexo livre com outros olhos. Esse olhar antes livre se torna conservador em relação à sexualidade – olhar este que é refletido nos infantes nascidos no final dos anos 1970 e início dos 1980. Fato que se acentua com a morte de personalidades como o cantor Freddie Mercury e, no Brasil, o ator Lauro Corona, em 1989.

A partir daí surgiu a ideia de construir um filme que dialogasse com o público. Uma tentativa de traduzir como aquela época específica mudou o conceito de formação de sociedade que se reflete até hoje. O objetivo é tentar levar o espectador adulto a refletir o espaço da criança como ser humano sem a implicação de definições sociais ou sexuais que rotulem.

Então, a escolha dos anos 1980 foi por conta da situação social da época?
O filme é ambientado nos anos 1980 principalmente pelo fato de que naquela década, com o surgimento da Aids, a sexualidade entre os adultos começou a tomar outra forma. Todo o conceito de sexo livre e liberdade propagado nos anos 1970 transforma-se numa onda de medo. Foi necessário construir uma nova forma de pensar e agir a respeito das relações sexuais. Pessoas dessa época viram morrer Freddie Mercury, Lauro Corona, viram o Cazuza lutar contra a doença...

Era importante usar esse pano de fundo para colocar duas crianças que estavam descobrindo o amor na infância. E mostrar o como os pais e adultos atuais não são tão diferentes dos de 1986. Também escolhi tal período porque acho lindo, por ser parte recorrente de minha infância. Assim, pude voltar ao passado produzindo Estranho Ímpar. 

A época também influenciou na estética fotográfica do curta-metragem?
A ideia é levar o espectador a enxergar seu próprio preconceito, sexismo e malícia, mostrando de forma singular a vida dos garotos protagonistas e fazendo, por meio da narrativa, que o espectador reflita sobre sua infância e a formação do seu caráter.

A fotografia tem uma tonalidade amarelo/sépia envelhecida, como das fotografias impressas no inicio dos anos 1980. E os planos de filmagem são limpos, poéticos e com o uso de diversos equipamentos profissionais de filmagem, como grua, slider, trilhos, steady-cam. Captamos as imagens do filme em 4k. Assim pudemos aumentar a capacidade de trabalho de cor na pós-produção, pelo colorista.

A concepção visual pretendeu seguir a fotografia de alguns filmes famosos mundialmente, como Minha Vida de Cachorro, de Lasse Hallstrom, Fanny e Alexander, de Ingmar Bergman.

Estranho Ímpar foi feito com crianças no elenco e tem um tema que ainda é considerado tabu, a sexualidade. Como foram as filmagens?
Todo o elenco e a equipe do filme são locais, o que nos deu muita alegria. Eu confesso que tinha uma preocupação enorme em não expor o contexto sexual que o filme aborda para as crianças. Nunca citei nenhuma implicação sobre o tema com as crianças, apenas com o elenco adulto. Mas as crianças assimilaram por si próprias do que se tratava, e levaram as gravações com um profissionalismo incrível. A maioria do elenco infantil estuda teatro no Sesi, com a professora Fatima Moniz.

Você fez uma campanha de arrecadação de fundos para fazer Estranho Ímpar. Deu certo ou precisou de outras ferramentas?
O filme participou de uma campanha de crowdfunding [financiamento coletivo na internet] e teve cerca de 50 apoiadores diretos. E o projeto foi contemplado com o Edital Curta Afirmativo 2014, apoiado pelo Ministério da Cultura e da Secretária do Audiovisual. Isso possibilitou que pudesse ser realizado de forma profissional.

DIRETOR – Como diretor e roteirista, Beto Oliveira realizou os filmes Filmes Bons São Sobre o Amor (2011), Subversivos (2012) e Cães Famintos (2015, longa-metragem com Mel Lisboa, João Vitti, Mariah Teixeira, entre outros). Em 2015, ganhou o Prêmio Curta Armativo, para a realização de Estranho Ímpar. Seus próximos projetos são os filmes O Velho, sobre os resquícios da Ditadura no Brasil (com Tonico Pereira e Vera Gimenez), e Luz que Hipnotiza Mariposas, com o mesmo elenco de Estranho Ímpar. Além destes, duas séries de animação – Pedro, O Bom de Bola e As Treta do Piolho.

Serviço

Estreia do curta-metragem Estranho Ímpar, do diretor Beto Oliveira
Quando: hoje
Horário: 20h
Local: Teatro do Sesc Piracicaba
Endereço: Rua Ipiranga, 155 – Centro
Grátis
Classificação: Livre
Duração: 20 minutos
Informações: (19) 3437-9292

Sinopse – Um garoto de 8 anos vive as desventuras de sua sexualidade diante de um mundo adulto que não está preparado para tratar a iniciação à pré-adolescência de suas crianças. Ambientado no ano de 1986, o filme caminha pela inocência da infância daquela década, cercada pela enorme pressão social das definições sobre a sexualidade. Músicas melancólicas das bandas de rock da época e ambientes coloridos e infantis formam um painel de reflexão para mostrar que crianças são apenas crianças.

Assista ao trailer de Estranho Ímpar.

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