"O povo brasileiro é um povo musical", diz Danilo Brito, que toca hoje em Piracicaba
Por Henrique Inglez de Souza
O 7º Festival de Música Erudita de Piracicaba segue
sua programação nesta quinta-feira (21). Às 18h, na Empem, o projeto Concertos
ao Anoitecer apresenta Lucas Farias (violino), Marina Martins (violoncelo) e
Liliane Kans (piano). Já às 20h, no Teatro do Engenho, o evento, em parceria
com o Sesi, apresenta o renomado bandolinista Danilo Brito. Ele irá divulgar seu mais recente registro, o homônimo
de 2014.
O músico paulistano será acompanhado por Carlos Moura (violão de 7 cordas), Lucas
Arantes (cavaquinho), Roberto Figuerôa (percussão) e Guilherme Girardi (violão),
este último nosso conhecido, do Água de Vintém. "O repertório será basicamente do disco de
composições minhas, mas sempre tem alguma outra coisa", adianta Danilo na
conversa que tivemos. Leia e divirta-se!
Você gravou
quatro discos até registrar um apenas com composições suas. O quanto amadureceu
o seu estilo nesse percurso?
Isso é difícil de dizer, porque mudamos
constantemente. Tocamos de acordo com o sentimento do momento, e tem a questão
do amadurecimento da própria idade. Então, chegamos a um estilo mais de acordo
com a nossa personalidade. No começo, somos muito do que ouvimos – sempre é
assim –, e aí vamos achando, realmente, um caminho próprio. Ou seja, vamos assumindo
uma personalidade mais marcante.
De onde vem
o tipo de melodia que costuma explorar? Quais são as suas referências?
Vem da minha própria formação como chorão. O choro tem
como característica principal o ritmo, que o define como gênero. Porém, logo em
seguida, ou andando junto, tem a melodia. A harmonia vem depois. Há inúmeros
choros que seguem a mesma cadência, a mesma modulação harmônica, e que a melodia
pode ser completamente diferente. Essa minha ênfase à melodia, imagino que venha da
tradição da música popular brasileira instrumental.
A música brasileira sofreu uma transformação no final
dos anos 1950, com a bossa nova, quando mudou um pouco essa ordem e passou a,
primeiro, dar importância à harmonia e depois à melodia. A melodia do choro é bem
complexa. O estilo geralmente é dotado de três partes longas, de maneira que
não há tanto espaço para fugir da melodia. É claro que a improvisação existe,
mas é diferente do que o que se pode fazer no jazz, por exemplo.
O que acha mais marcante em sua identidade musical?
O sentimento brasileiro que carrego nas músicas. Há
esse sentimento ora dramático, ora melancólico, ora feliz... O nosso sentimento
brasileiro é muito exuberante – em todos os sentidos.
Escuto muito em sua abordagem elementos modernos, mesmo
quando regrava clássicos. Não é meramente aquela reprodução do jeito de tocar os
choros clássicos.
Algumas pessoas já repararam nisso, que a minha música
soa como do século 21. É claro que a arte legítima é atemporal, mas dá para perceber
que as minhas músicas são brasileiras. E você vê que não estão presas a um
tempo. Dá para saber que são de música brasileira tradicional bastante
enraizada, só que feitas hoje. Não concordo quando dizem que não se pode fazer
choro tradicional sem estar plagiando. É um gênero muito rico, que te dá
inúmeras ferramentas. Evidentemente depende do praticante, do compositor, mas é possível fazer choro tradicional sem necessariamente copiar alguém.
Há vertentes que ficam datadas, como a Jovem Guarda,
mas há estilos, como o choro, que vão amadurecendo dentro de sua essência. Nos músicos
de choro, em geral, ainda há uma amarra forte aos clássicos e uma consequente
inibição de novidades autorais do estilo?
Acho que é bastante dividido. Do pessoal que toca
choro, há os bem conservadores e os que olham mais para frente. Desde que se faça
música de coração, com bom senso, estudo principalmente, e obedecendo aos seus
impulsos emocionais, não há restrição. Se você se privar de algo por certos
princípios, estará se distanciando da arte. Não acho isso correto. Da mesma
forma, tocar o que não tem identidade alguma, não sei se é tão legítimo. O
choro, já dizia o Villa-Lobos, representa a alma do povo brasileiro. Dá para
ouvir, apreciar, sentir e se emocionar com gravações do início do estilo ainda
hoje. Isso porque a característica do sentimento e a alma do brasileiro estão
fixados ali.
O que o
choro tem de vantagem em relação aos demais estilos tipicamente brasileiro que
o torna mais completo?
O choro é o pai da música brasileira. Veio diretamente
da música europeia, da polca, que era mais dançante e que aqui ficou com o andamento diminuído e mais
melancólica. Era uma época de música muito rica no mundo todo. Depois, o choro
recebeu influência rítmica africana, mas melódica e harmonicamente descende bem
proximamente da música erudita – estruturalmente falando. Então, tem um refinamento
grande. É sofisticado, mas simples, ao ponto de alguém ouvir pela primeira vez
e gostar.
O mercado
exterior tem valorizado mais o choro do que o próprio mercado brasileiro?
Acredito que o brasileiro esteja fortemente
reencontrando a sua cultura, principalmente hoje em dia, que os
veículos de divulgação são mais democráticos. Há uma grande carência de música
instrumental brasileira, as pessoas querem ouvir. No exterior, tem sido de um
sucesso tremendo, especialmente, também, por conta dessa facilidade de
informação que se tem atualmente.
Tive a oportunidade de ir a uma roda de choro em
Israel com 200 músicos israelenses tocando choro. No Japão há inúmeros músicos
de choro, tocando muito bem. Nos Estados Unidos, lecionei por vários anos
bandolim e choro para centenas de alunos norte-americanos completamente loucos
pelo estilo, por Jacob do Bandolim, Pixinguinha. Certamente, as pessoas que
apreciam música instrumental no exterior valorizam o choro – e isso está se
espalhando numa velocidade assustadora.
Mas em
termos de estrutura, de venda de discos, isso é mais animador no exterior do
que no Brasil, né?
Acredito que sim, tanto é que muitos músicos vão e não voltam. Mas não
posso reclamar das coisas que acontecem aqui, porque nasci e me criei aqui e
consigo viver de música corajosamente [risos].
As coisas têm dado certo. Com um trabalho bem-feito, não tem como dar errado,
pois acaba tendo mercado, sim. A pessoa que diz que não dá para viver de música,
ou está trabalhando mal, ou está acontecendo alguma coisa, ou não está se
empenhando realmente, porque dá para viver! As pessoas no Brasil são
apaixonadas música. O povo brasileiro é um povo musical.
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