Diretor de 'Coma-me' fala da peça, que será apresentada neste domingo no Garapa


Lethicia Gallo/Divulgação

Por Naiara Lima

Depois de dois anos, os Contadores de Mentira voltam ao Ponto de Cultura Garapa. Dessa vez, o grupo de Suzano (SP) apresenta Coma-me: Estado de Revolta, que tem duas horas de duração e é recomendada a um público de a partir de 16 anos. Contemplada pelo ProAC, a encenação acontece neste domingo (17), às 20h, e é gratuita. 

Temas como a violência contra as mulheres e questões raciais e de poder são servidos em um "banquete" oferecido pela figura mítica de Leviatã (considerado um monstro ou demônio). No elenco, Arnaldo dos Anjos, Daniele Santana, Kaique Silco, Matheus Borges, Michael Meyson, Narany Mireya e Samuel Vital.

O diretor de Coma-me, Cleyton Pereira, falou ao PiaparaCultural sobre a peça, o trabalho dos Contadores de Mentira e seus 20 anos de carreira. Confira!

Temas de reflexão política e social, banquete oferecido por Leviatã... Dá para revelar um pouquinho mais da história?
Coma-me é uma obra antiga dos Contadores de Mentira que esteve em nosso repertório de 2000 a 2004. Mas não é passado, é acúmulo... Pequenos fantasmas desse trabalho sussurraram imagens profanas que havíamos escondido em algum lugar. Elas nos impulsionam a tomar posição, a não aceitar a vitória do opressor. O Brasil foi tomado por um golpe de estado e, portanto, nos obriga a ser literais. 

Lethicia Gallo/Divulgação
Estamos do lado do oprimido, e é por isso que fazemos teatro. Fazer um teatro que se ocupe da raiz histórica, que se ocupe da natureza humana, que seja capaz de negar e criar rupturas sociais certamente traz consequências devoradoras. Nesse trabalho, lutamos contra uma epidemia política. A disputa pelo pão e a fronteira que divide as camadas sociais, que massacra seres humanos, que oprime, que divide, que decepa a cabeça de negros, índios, mulheres e pobres são o nosso alvo.

Vocês dizem que o público também é criador da obra. Como é essa relação entre espetáculo, atores e público?
Nós, Contadores de Mentira, temos muito enraizada a busca por um teatro em que o público não seja apenas espectador. Nos dedicamos a fazer e a criar um obra em que a relação público e atuador seja de troca. Quando apresentamos um trabalho, entendemos que aquele momento é uma partilha. Dessa forma, quem vai nos assistir deve ter a possibilidade de se envolver nesse rito teatral. 

Nossos trabalhos são sempre embasados nos ritos e nas metáforas. Nada está completamente fechado. Quem assiste tem a chance de criar conosco a partir de seu próprio conhecimento de mundo. Completa a frase conforme a sua própria construção daquilo que estamos oferecendo como substâncias. É nesse ponto em que nos encontramos todos: criadores, público e atuadores.

Lethicia Gallo/Divulgação

Vocês vão se apresentar no Garapa, que é considerado um espaço alternativo de teatro. O que significa sair do palco?
Preferimos assim. Raramente nos apresentamos em teatros tradicionais, porque cremos nesse encontro quase artesanal entre um ser humano e outro, e, para isso, é necessário estar próximo, do lado, junto. Todos os nossos trabalhos propõem uma disposição em que o público está praticamente dentro da cena. Então, mesmo quando nos apresentamos em espaços tradicionais, colocamos as pessoas no palco conosco.

Há dois anos, assisti, também no Garapa, o espetáculo Curra-Temperos Sobre Medeia. Além disso, no site de vocês há um repertório de espetáculos bem variado, incluindo infantis. Seja lá o espetáculo, o grupo segue um estilo de teatro, uma técnica de trabalho?
Durante esses 20 anos fizemos muitas obras, mais de 15. Atualmente temos três no repertório: Curra-Temperos Sobre Medeia, O Incrível Homem Pelo Avesso e Coma-me: Estado de Revolta. Nossos dez primeiros anos foram de descobertas de caminhos, de identidade de linguagem. Já tínhamos por intuição alguns traços definidos, já mergulhávamos nos estudos antropológicos. 

Na última década, definimos com mais clareza a nossa caminhada, encontramos nos ritos, nos estudos das culturas do mundo, na antropologia, na cultura popular brasileira, nos mestres do teatro, um campo vasto de experimentação e investigação. Mergulhamos nesses rios e criamos um treinamento de grupo que percorre todos os nossos trabalhos atuais. É certo que cada projeto tem suas especificidades temáticas, estéticas, mas entendemos que estamos construindo uma única obra e que, portanto, são acúmulos uma das outras, e não rupturas.

Como é para um grupo de teatro completar 20 anos?
Nosso grupo está envelhecendo... O tempo tem nos revelado de forma bruta. Dedicamos muito de nossos treinamentos a um corpo estranho, como se fosse possível fragmentar os ossos, como se fosse possível resistir à dor após triturá-los em pedaços cada vez menores.

Quebrar os ossos em nosso trabalho significa perder e encontrar a razão, encontrar recusas em nosso corpo que possam criar metáforas, rupturas, simbolismos e verdade no corpo do atuador. São muitos meses na sala de ensaio procurando ouvir o estalar do osso. Quando isso acontece, ouvimos a quebra e sentimos que o ator se libertou de seu corpo rígido. É como se desse para dançar como um fantasma, porém, sustentado por pequenos ossos que lhe permitem ainda manter a vida sobre a terra. Pés fincados no chão para flutuar o resto do corpo.

Ponto de Cultura Garapa
Rua Dom Pedro II, 1.313 – Alto
Informações: (19) 3377-2001

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