Richie Ramone na região: músico fala de Ramones e carreira solo em entrevista


Richie Ramone (Imagem: Divulgação)

Por Henrique Inglez de Souza

Richie Ramone está perto de finalizar a turnê sul-americana que começou no dia 18 de agosto, em Lima, Peru. Pelo Brasil, o ex-Ramones percorreu Londrina (PR), Ribeirão Preto (SP), São Paulo (SP), Curitiba (PR), São José dos Campos (SP) e Belo Horizonte (MG). Neste domingo (4) acontece a derradeira data, em Nova Odessa (SP), no NoCanto Bar. Com ele estão Ron Simmons (guitarra, vocal), Clare Misstake (baixo, vocal) e Ben Reagen (guitarra, bateria). 

A agenda de shows promove seu novo álbum, Cellophane, lançado no último mês. Além de canções de seus dois trabalhos próprios, o baterista e vocalista norte-americano não deixará de fora clássicos de sua era nos Ramones. Isto quer dizer que o público deverá ouvir Humankind, Smash You, I Know Better Now e sua obra-prima, Somebody Put Something in My Drink.

Ao lado de Joey (vocal), Johnny (guitarra) e Dee Dee (baixo, vocal), Richie consolidou um período de ouro para o grupo ícone punk nos anos 1980. Assumiu o posto em 1983, logo após sair o disco Subterranean Jungle e o baterista Marky Ramone ter sido dispensado. Com o nosso entrevistado nas baquetas, o quarteto gravou três pedradas: Too Tough to Die (1984), Animal Boy (1986) e Halfway to Sanity (1987). 

No final de sua temporada com os Ramones, diferenças e desentendimentos (especialmente referentes ao lucro com merchandising) fizeram Richie pedir as contas, em agosto de 1987. Após uma meteórica passagem de Clem Burke (Blondie), sob o nome de Elvis Ramone, Marky reassumiu a bateria. Mas isso é outra história... Por ora, fiquemos com o papo que tivemos com Richie Ramone.

E a turnê pela América do Sul? Foi a mais longa que fez, certo?
Sim, foi! Nada mau! Até aqui, tem sido boa, estou me divertindo, enfim...

Alguém colocou alguma coisa em sua bebida por aqui [brinco, numa alusão ao clássico dos Ramones]?
Não, ainda não! [risos] Continuo esperando por isso...

Como explicar essa paixão louca dos fãs deste lado do planeta pelos Ramones, depois de todos esses anos?
Não dá para explicar. É parte de sua religião. Eles amam essa banda, consideram os Ramones como um deles. É legal ver isso.

Comparado ao seu debute solo, Cellophane soa mais sólido, soa como um compositor que finalmente se encontrou como tal. O que poderia falar a respeito?
Eu amadureci como vocalista, como compositor – é o que se deseja: sempre avançar. No primeiro disco, Entitled, quis criar algo com um pouco da nuance do metal. Porém, depois de fazer turnês com a minha banda, me deu uma vontade de gravar um com o pessoal que me acompanha. Ficaria mais na forma como soamos ao vivo, saca? Então, Cellophane é, para mim, um dos melhores trabalhos que já fiz. A gente sempre tenta se superar, e acho que me superei com esse disco.

Vocês gravaram ao vivo em estúdio?
Embora estejamos em um mundo digital, gravei tudo de forma analógica. Nós tocávamos umas duas, três vezes por música. Assim que eu achava legal, a banda tocava por cima da faixa de bateria. E então, chegamos a seis, sete músicas, ainda que tivesse um erro aqui e ali – costuma ter uma linha de baixo ou de guitarra para dar um gás. As bases são sempre gravadas ao vivo, pois caso contrário, não será humano – e tem que ser humano! É isso o que é o rock and roll! Não é algo feito por máquinas, é feito por humanos!

Seu lado vocalista está superando o lado baterista hoje em dia?
Não, não. A minha primeira paixão é tocar bateria. É o meu negócio. Porém, não dá para fazer um show permanecendo constantemente atrás da bateria. Você tem que ir lá se divertir com a molecada. É importante que eles venham e curtam comigo nos shows. Se você fica toda hora atrás da bateria, meio que parece haver um muro entre você e a plateia. Canto e toco bateria, e procuro interagir com o público.

E os fãs de carteirinha dos Ramones, o que estão achando de seu novo disco solo?
Eles adoraram! Até aqui, tem sido ótimo, as vendas estão indo bem... Os fãs têm curtido o álbum e os shows. Não dá para agradar a todos, mas também aprendi algo há muito tempo: se 50% das pessoas estão gostando e os outros 50% estão meio no mais ou menos, então está fazendo um bom trabalho [risos].

Você entrou para os Ramones em um momento complicado. Qual foi a sua principal contribuição para a banda?
Bem, antes de eu entrar, eles haviam lançado dois álbuns bocejantes. Eu era o cara novo – tinha 24 anos, bem mais novo que os demais –, então trouxe sangue novo, energia renovada (assim como o CJ, quando entrou na banda). Quando se arruma um novo baterista, este sempre muda um pouco o som da banda. E é assim mesmo que funciona: um novo baterista mudará o som de qualquer banda. Eu tocava mais agressivamente, mais pesado, mais rápido. 

Todos tentavam se dar bem uns com os outros. Eu falava com todo mundo, e não via nada dessa coisa sem-noção de haver tanta briga rolando. Sabe, não dava atenção a isso. Foi muito bom para a banda [Richie ter entrado]. O Joey dizia várias coisas boas a esse respeito, e é verdade! Eu proporcionei a eles composições e vocais de apoio ao vivo, mixei seis faixas do Halfway to Sanity... Dei a minha vida, e o Joey sabia disso.

Você e Joey tiveram uma amizade bem próxima, né?
Muito próxima! E com o Dee Dee também, éramos bem próximos. Nós andávamos juntos o tompo todo. O Dee Dee vivia no Queens, o que, para Nova York, era longe. Mas Joey e eu vivíamos em Nova York, a apenas algumas quadras de distância. Ficamos juntos todos os dias por quatro anos e dez meses – todas as noites [risos].

Fale de sua química musical com Dee Dee.
Era ótima! Dee Dee era Dee Dee! Ele era meio que duas pessoas [risos]. Adorava o Dee Dee. Era um bom amigo, fizemos várias coisas juntos. Ele era uma máquina, e muito inspirador. Tipo, em Somebody Put Something in My Drink, eu lhe contei essa história – que havia acontecido comigo quando tinha uns 18 anos de idade, antes da banda –, e ele me disse: "Richie você deveria fazer uma música sobre isso"... Era um ser humano especial!

E o Johnny Ramone, era tranquilo de se lidar?
Sim, tranquilo. Só no final que me frustrei porque eles não estavam mais ligando para mim. Tivemos grandes diferenças. Quero dizer, não com o Joey ou o Dee Dee – estes estavam do meu lado. Mas o Johnny controlava a banda e eu fiquei meio que "bem, se não dá para chegarmos a um acordo, então acho que não dá mais para rolar".

Too Tough to Die soa um tanto diferente em relação aos trabalhos que vieram logo antes. Qual foi a ideia para esse disco?
Como eu disse, os discos anteriores soavam mais leves. Então, para Too Tough to Die, eles trouxeram o Tommy Ramone de volta [para a produção], assim como o Ed Stasium, produtor deles nos primeiros anos. Isso rendeu aquele som simples e cru. Aí, tivemos o Walter Lore, do Heartbreakers, fazendo alguns solos e outras coisas. Tivemos o cara do Eurhythmics [Ben Tench] gravando teclados... Não dá para ficar lançando o disco de 1976 [The Ramones] o tempo todo. O som muda, a música muda... e foi o que eles fizeram. Você vai amadurecendo como banda. Gravamos um monte de músicas boas durante aquele período [em que Richie fez parte do grupo]. Aquela foi uma das melhores formações que os Ramones tiveram: era potente, agressiva e perigosa!

Qual é a história por trás das canções que você escreveu, Humankind e Smash You?
É claro que há coisas de cunho íntimo, mas as pessoas podem pegar uma música e traduzi-la para si próprias, em relação ao o que está acontecendo em suas vidas. Smash You fala de estar com uma garota, num relacionamento ruim. Alguém que está te causando problemas. Humankind é uma das minhas músicas mais politizadas sobre o mundo. E é engraçado ver que essa letra continua atual. Ela é de 1984, e hoje o que acontece na política é a mesma merda. Componho baseado em coisas que vivenciei, algo que está em minha cabeça. Não gosto de falar sobre o que escrevi, porque prefiro que as pessoas interpretem de acordo com as suas vidas, do jeito que sentem.

Era tranquilo conseguir espaço como compositor na banda?
Não, não era fácil. O Johnny só me deixava ter uma música por disco, já que não ganhava nada [de direitos autorais]. Mas as pessoas gostavam bastante das minhas músicas. A Beggars Banquet, nossa gravadora no Reino Unido, sempre queria lançar as minhas canções. É por isso que escrevi seis delas naquela época, e poderia ter tido muitas outras... No último disco que gravei, o Johnny me deixou incluir duas faixas minhas. Mas é um troço estúpido: nós nos reuníamos com o empresário, todos levavam suas demos e as colocávamos para tocar – eram ideias de coisas que havíamos feito em casa. Deveríamos gravar as melhores, independentemente de quem compôs. É o que se faz! Mas ali não funcionava bem assim, por causa da grana de royalty. Então... [risos].

Em Too Tough to Die, você sentiu algum tipo de pressão por ser produzido por Tommy Ramone, o baterista original da banda?
De jeito nenhum! O Tommy me dizia: "Você está mandando bem. Apenas continue com o que está fazendo". Era um cara muito esperto. Mantinha a banda unida. Ele não ficava me dizendo como tocar e tal. Eu simplesmente chegava lá, tocava e ele "está ótimo!", e pronto. O Tommy era gente boa e tinha um coração doce. Ele curtia produzir muito mais do que estar tocando na estrada. É por isso que a banda arrumou o Marky.

Ouvi uma versão sobre a história da música Somebody Put Something in my Drink e queria saber se é verdadeira...
Sim, é! Quando tinha uns 18 anos, me mudei para Nova York, sem grana! Eu e meus amigos íamos aos bares e quando alguém saía para ir ao banheiro ou dançar, eu traçava as bebidas de sua mesa. Era assim que bebíamos de graça. Numa noite, devia haver LSD ou alguma outra coisa qualquer em uma das bebidas que peguei. Me rendeu uma sensação estranha, e pensei: "Bem, não sei o que está acontecendo, o que houve...". Fiquei sem me ligar do que estava rolando por umas duas ou três horas [risos]. Disso surgiu essa música. Todas as minhas letras são tiradas de histórias reais sobre mim ou de algo que vi.

Você tem algum disco preferido dos que gravou com os Ramones?
Não! Não dá para eleger um único disco favorito dos Ramones, nem uma só canção. Há diversos. Não sei dizer qual é o meu favorito ou qual não é o meu favorito. Mesmo os outros... tem o Ramones, o primeiro álbum, o Rocket to Russia é outro grande álbum. Há coisas excelentes, e não sei responder a esta pergunta. Talvez role se eu escolher dez favoritos [risos]. Mas gosto dos primeiros deles.

Não era estranho o fato de Johnny e Joey não se falarem e mesmo assim trabalharem juntos?
Nada! Nós gravávamos juntos, como uma banda. Tocávamos juntos, eu, o Dee Dee e o Johnny. Depois, eles acertavam o que não estava legal e deixam como tinha que ser. Em todos os discos que gravei, fiz basicamente um take para cada faixa. Gravei aqueles álbuns [dos Ramones] em um dia, um dia e meio. O esquema era bem simles: o Johnny registrava suas partes e ia embora. Aí, no final, vinha o Joey e colocava todos os vocais no material.

Mas é esquisito imaginar que eles passaram anos assim, sem se falar.
Eles faziam o que tinha que ser feito. Não precisavam ser melhores amigos. Você não tem que estar entre melhores amigos para fazer parte de uma banda. Isso é besteira! Só tem que ser amigo na hora de tocar ao vivo, e era o que sempre fazíamos. Quando havia um show, nos dávamos 100% aos fãs, e não importava quem estava brigado com quem, quem estava insultando quem... Isso é ser um profissional. Eles tinham essa consciência e ninguém queria sair e montar a sua própria banda. Pra quê? Então, agiam de maneira bem profissional acerca desse aspecto.

Como estava a atmosfera na banda quando gravaram Halfway to Sanity: pesada, ruim?
Não, nada a ver! Não era tão mau assim, como vocês da imprensa dizem ter sido. Não estava tão ruim assim. Acho que complicou depois que eu saí, porque, aí, tiveram que trazer o Marky de volta – e eles não o queriam. Mas como o Marky conhecia as músicas e era barato, dava para contratá-lo gastando pouco. Não quiseram complicar, mas não estavam contentes em trazê-lo de volta.

Faz 19 anos que deixou a banda. Sente algum arrependimento?
Sem arrependimentos! Em sua vida, você nunca deve carregar arrependimentos. Isso te deixaria louco. Sinto falta dos caras todos, e eu gostaria que tivesse dado para escrever outras canções fodas, como Somebody Put Something in My Drink. Porém, tomei a minha decisão e segui adiante, e foi isso! Não dá para me arrepender. Não, não, não!

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