Antonio Nóbrega fala do espetáculo de dança que apresenta neste feriado no Sesc
Com
Passo Sincopado
é o nome do espetáculo concebido, dirigido e atuado por Antonio Nóbrega. E o
público de Piracicaba poderá assistir ao artista nesta quarta-feira (7) de
feriado, às 14h, no teatro do Sesc. O evento é gratuito (retirada de ingressos
1 hora antes) integra a programação da 13ª Bienal Naïfs do Brasil.
O carro-chefe do que se verá em palco é
a dança, da qual partirá performances que se aproveitam de diferentes princípios
técnicos. São práticas e procedimentos formais oriundos de linguagens do
Ocidente e do Oriente.
Prêmio Shell e APCA, Nóbrega traça uma
leitura para a cultura brasileira em Com Passo
Sincopado. Suas principais ferramentas são passos, giros, meneios, molejos,
gingados, falas e vídeos.
Estas últimas semanas têm sido
movimentadas para o artista. Ele lançou Do
Semba ao Samba, projeto que celebra o centenário do samba com canções e
dança. O estilo marcante da música brasileira tem como marco inicial o registro
da composição Pelo Telefone, de Donga,
realizado em 1916.
O artista nasceu em Recife, em 1952,
onde começou a estudar violino aos 8 anos de idade. Em 1971, entrou para o Quinteto
Armorial a convite de Ariano Suassuna. A partir dali, mergulhou no universo da
cultura popular e fez suas primeiras investidas como autor de espetáculos de
teatro, dança e música relacionados. Brincante,
Segundas Histórias, O Marco do Meio Dia, Figural, Na Pancada do Ganzá, Madeira
Que Cupim Não Rói, Pernambuco Falando
para o Mundo, Lunário Perpétuo e Nove de Frevereiro são algumas de suas
criações.
Além de rodar o Brasil, Nóbrega já fez
turnês por Portugal, Alemanha, Estados Unidos, Cuba, Rússia e França. E mais:
lançou doze CDs e três DVDs e, em novembro de 1992, fundou o Instituto
Brincante (São Paulo), junto com Rosane Almeida, atriz, bailarina e sua esposa.
Recebeu duas vezes a Comenda do Mérito Cultural. Em 2014, o cineasta Walter
Carvalho fez o filme Brincante, dedicado à sua
trajetória.
Leia a seguir a entrevista que fizemos com essa
figura carismática.
O que só se pode falar com o corpo e que
a fala oral não possibilita?
Olha,
cada linguagem tem suas particularidades. A musical tem as suas e a dos gestos outras.
Nenhuma é superior ou inferior, naturalmente. Cada qual tem suas singularidades.
O que acho interessante na linguagem da dança é ela ser de natureza simbólica. Dá
para expressar uma cena realista por meio da mímica e da pantomima. Porém, quando
o universo é carregado de signos simbólicos que não se entende mas se internaliza
pela sensação – ou seja, pelos diversos tipos de emoção (emoção do riso, emoção
dramática etc.) –, você está, de alguma maneira, compreendendo a dança.
Essa
é a maior singularidade da dança: é justamente uma linguagem que se passa por símbolos
corporais. É um imaginário completamente composto desse tipo de linguagem e que
não dá para reduzir a um esquema de descrição literal. Podemos até tentar falar
um pouco sobre aquilo que se vê, que sente, mas sempre será menor do que a
sensação vivida quando se assiste a um espetáculo.
Até porque, cada um pode "emprestar" determinado
movimento conforme o jeito que interpretou.
É,
e os signos da dança não parecem ter um significado fixo. Vão sempre se
moldando ao contexto pelo qual você vai descrevendo, falando.
E se eventualmente alguém não entender
um movimento, na pior das hipóteses estará curtindo sua beleza, sua plástica –
o que com a palavra não necessariamente acontece.
Mas
às vezes você até nem entende um texto, só que está tão bem escrito que acha bonito.
Por exemplo, uma frase de Guimarães Rosa de um de seus vários personagens: podemos
não entender de imediato, mas as palavras têm uma beleza que independe
completamente de um significado. Agora, claro que a base da compreensão é o significado.
Se você ler um livro e não entender o que o escritor falou ali, não irá
adiantar muita coisa, né?
Sim, ao contrário da dança, em que, se a
pessoa não entender nada, mas gostar dos movimentos, já é uma semente para se
interessar mais.
Feito! Você vai a um espetáculo de dança e se emociona. Depois lhe pedem para
contar a história, e: "Não sei da história, mas sei que gostei". Está
certo, né? [risos]
O quanto seu começo com o Ariano Suassuna
teve de influência no que faz hoje?
O
que Ariano trouxe foi me abrir as portas para tomar conhecimento do mundo
popular brasileiro. Era um mundo, até o momento em que o conheci – eu tinha 18
para 19 anos –, que desconhecia. Então, esse mundo popular por meio do
imaginário da dança, dos ritmos, das formas poéticas, me revelou um universo de
muita riqueza, no sentido estético. Acho que é esse o grande encontro que se
deu a partir do convite do Ariano para integrar o Quinteto Armorial.
Normalmente,
em um país como o nosso, acessamos facilmente o patrimônio cultural do Ocidente
(seus signos, suas linguagens, a música, a dança...). Porém, o universo
patrimonial popular, constituído por outras heranças culturais, é bem difícil
de acessarmos. Ficou subalternizado, marginalizado. Assim, ter tido a
oportunidade de estudá-lo, de compreendê-lo e de utilizá-lo referencialmente em
meus trabalhos, foi importantíssimo – não só importante, foi fundamental, pois
todo o meu trabalho está dentro dessa plataforma popular.
Pesquisando esse seu trabalho, vi coisas
que me remeteram a cenas de cordel.
O
universo da literatura de cordel é um dos vários braços dessa árvore estrondosa
que é o mundo popular. É o mundo literário, o mundo da poesia escrita. Temos
uma poesia oral, feita praticamente de improviso pelos poetas populares, mas também
há essa vertente escrita, que a literatura de cordel perpetua. Não fosse
somente à poesia que está dentro dos folhetos, a própria capa também compõe
esse imaginário. Muitas vezes, não sabemos o que há dentro do folheto, mas nos lembramos
dele por conta da capa – principalmente da xilogravura, que tem um traço bem
marcante.
O brasileiro nasce, mesmo, com o samba
no pé? Por que temos essa facilidade de groove e suingue que não se vê em
outros países?
(Marcelo Macaue/Divulgação) |
O
tempo forte da música ocidental marca o tempo tônico, é um tempo, de certa
forma, divisivo, marcial. E a música brasileira tem um acento que é meio "aéreo",
meio volátil. Acho que isso nos dá a facilidade de, embora não dominando os
passos, o corpo conseguir se expressar um pouco mais soltamente, mais pronto,
para responder aos apelos da música.
Achei genial a brincadeira do título, de "com passo" e "compasso".
É,
quem escuta não sabe discernir se é "compasso", uma única palavra, ou se são
duas palavras, "com passo".
Por ser um espetáculo que trata de
movimentar o corpo com ritmo, há algum momento de certa interação com o
público?
Sim,
há dois momentos. No final, geralmente, há uma dança para a qual as pessoas da
plateia são convidadas, e também um momento em que convido uma pessoa para
fazer uma experiência comigo no palco [risos].
Qual é a ponte entre os seus trabalhos Com Passo Sincopado e Do Semba ao Samba?
Olha,
Do Semba ao Samba é um espetáculo
tanto de música quanto de dança. O samba é, talvez, a forma mais sincopada que temos.
Então, a dança que farei vai apresentar também esse caráter, de maneira que são
universos que se interligam em Com Passo
Sincopado. Este tem muito a ver com Do
Semba ao Samba – tirando, naturalmente, a questão da música cantada. Em Com Passo Sincopado eu não canto, é puramente
de dança, vídeos, performances e falas.
Serviço
Com Passo Sincopado
Uma aula-espetáculo sobre dança e
cultura brasileira com Antonio Nóbrega
Quando: quarta-feira (7)
Horário: 14h
Local: Sesc Piracicaba (teatro)
Endereço: Rua Ipiranga, 155 – Centro
Grátis (retirada de ingressos com 1h de
antecedência)
Informações: (19) 3437-9292
Veja um teaser de como é o espetáculo.
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