"Perde-se um tempo enorme querendo consertar o mundo", diz Erasmo Carlos
Por Henrique Inglez de
Souza
A Virada Cultural Paulista
em Piracicaba será neste fim de semana. O público irá conferir bandas locais,
incluindo Dona Zaíra, e atrações como NX Zero, Originais do Samba, Ana Cañas e Negra
Li – veja a programação completa neste link.
Entre as atrações
principais está Erasmo Carlos (foto), um dos precursores do rock nacional. Com cinco
décadas de carreira na bagagem, o Tremendão revisitará seus grandes clássicos a
partir das 23h59 do sábado (21). Nós conversamos com o roqueiro de 74 anos
sobre a porção de assuntos que você confere logo abaixo.
Antes de qualquer outro
assunto, gostaria que me falasse do Erasmo Carlos poeta.
Ah, é, né... [ri].
Está indo aí, cara! Tenho feito as poesias – já estou na 66ª. Quando tiver umas
100, começo a me movimentar para publicar.
Inspiração é uma donzela
sensível e não dá para forçar...
Pois é, não dá! E os
temas podem ser sobre qualquer coisa, né, bicho? De repente, olho o telhado de
uma casa vizinha, começo a pensar a respeito, e vou embora inventando coisas.
Tem alguma ideia se irá
publicar esse livro de poesias ainda este ano?
Não, este ano não dá,
cara! Para ser feito com carinho, ficou para 2017. O número de 100 poemas é uma
média que faço, mas pode ser mais – menos é que não pode. Quando parto para um
projeto, boto um número na minha cabeça para servir de direção. Agora, não é
nada "imexível", como dizia um ministro...
Qual é a diferença entre
escrever uma letra e uma poesia?
Na letra, você fica
preso à métrica da música, às rimas que a música obriga pela divisão dos
versos. Na poesia, não. Você fica livre: se quiser rimar, rima; se não quiser,
não rima. É tudo livre. Pode falar palavrão à vontade, e na música já não pode.
Essa coisa toda.
Divulgação |
O quanto trabalhar nos
poemas te fez querer gravar um disco com seus lados-B?
MeusLadosB [2014, CD e DVD] foi antes, ainda nem
pensava em poesias. Fiz um show chamado Inusitado [2013], em que
não podia cantar as músicas dos shows que faço normalmente. Então, me lembrei
dos lados-B e preparei esse projeto – só para o Inusitado, que aconteceu
no Cidade das Artes [Rio de Janeiro/RJ]. Todos os artistas que se
apresentam nesse projeto do Cidade das Artes fazem algo diferente: a Alcione
tocou só trompete, o Arnaldo Antunes fez uma outra coisa com o Cidadão
Instigado... Então, bolei esses lados-B e deu certo, todo mundo gostou e gravamos
um DVD para ficar documentado esse meu momento.
Achei MeusLadosB sensacional, porque foge da
mesmice dos hits de sempre. É importante sair dessa trincheira, porque não
engessa o artista.
É... Agora, é um show
difícil, né, bicho. Não fazemos em todo lugar, não, porque querem o show
normal, dos sucessos. Quando vamos a uma cidade em que não íamos há um tempão,
as pessoas querem ouvir os sucessos, e não os lados-B. Então, esse é um show
especial. Só fazemos em salas especiais, com pessoas sentadas e a fim de realmente
ouvir as músicas. Fizemos no Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, as
principais capitais, e em muito poucas outras cidades.
Você gostaria de fazer
mais desses shows ou está tudo bem assim?
Gostaria, claro! Me
sinto muito bem fazendo esse show, mas infelizmente é assim. Não tem mercado
para isso.
Ficaram muito boas as
roupagens 2015 de Estou Dez Anos Atrasado
e de Geração do Meio. O que te norteou
na escolha das faixas para essa proposta?
Fui ouvindo os meus
discos antigos e anotando as músicas de que gosto ou que tinham a ver, que
foram sucesso não na minha voz, mas na de outras pessoas. Ou então, que tiveram
problema com a censura. Coisas assim.
Durante essa busca, teve
algum disco que te admirou por fazer tempo que não escutava?
Faz tempo que não ouço
todos! Eu gravo e não ouço mais meus discos. Fico de saco cheio: faz a música,
vai gravar, ouve a faixa 50 milhões de vezes, tem a mixagem final, vê se está
legal, aprova e pronto! Não ouço nunca mais – só por necessidade. A maioria dos
artistas é assim. Apenas os bem egocêntricos ficam ouvindo o dia inteiro [seus
próprios discos].
Aproveitando o título de
seu mais recente disco de inéditas, Gigante Gentil (2014), o que é ser
um gigante gentil?
Não sei. Esse foi um
apelido que ganhei da Lucinha Turnbull e que gosto. Por que virou música?
Porque quando comecei a trabalhar com a internet, me assustei com a
agressividade das pessoas. Um palavreado franco e mal-educado de certas pessoas
que abusam do anonimato para falar o que quiserem. Me assustei muito,
principalmente em relação ao tratamento para com os artistas, sem o mínimo respeito!
O artista está
acostumado a carinho, aplauso e essa coisa toda. Aí, de repente, vi altos
xingamentos e me impressionei com essa linguagem, ainda mais do falavam de mim.
Me chamavam de morto-vivo, zumbi, diziam que eu vinha direto do Walking
Dead para fazer o Programa do Jô, que se eu levantasse a mão
para o céu Deus me puxava, que se eu fechasse os olhos a família começava a
rezar... Fiquei na bronca, né, bicho! E fiz Gigante Gentil, uma resposta
para essas pessoas. Hoje em dia já estou craque. Pode falar o que quiser, até
valorizo o texto criativo da pessoa – mesmo que seja para o mal. Se for
criativo, eu gosto!
Você é um usuário de
tecnologias: celular, Twitter... ?
Sou, claro! Tenho as
minhas redes sociais e sou ativo nelas – eu e a minha equipe. As minhas coisas
pessoas boto no Facebook, no Twitter, Instagram. Uso mesmo, porque a tendência
é essa. O mundo vai mudando e você tem de mudar junto. O artista que não evolui
nesse ponto, que despreza a tecnologia, está condenado a sumir. A minha
gravadora, Coqueiro Verde, não paga jabá, então, não toco no rádio. Portanto,
substituímos isso pela internet.
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Em 1965, em seu debute
solo, há a canção Sem Teu carinho. Já no Gigante Gentil há a faixa Amor na Rede. A distância deixou
de ser um porém no amor?
Ah, sim. Claro que não é
a mesma coisa que o contato físico, mas [a internet] quebra um galho.
Pode até ser melhor que um telefonema, porque você tem imagem e som. É melhor
até que uma carta – aí fui fundo, né, bicho?
Foi... [risos] Mas
tem quem goste de receber carta, porque é menos "fria" que um e-mail.
Eu não acho muito, não.
A carta dava um trabalho danado, sabia? No tempo da carta era trabalhoso: você
comprava o envelope, tinha que escrever – se errasse, tinha que mudar o papel
–, depois tinha que fechar a carta, ir ao correio, comprar o selo, botar o selo
na boca para colar com cuspe, pagar e enviar – e não sabia nem se chegaria.
E-mail é muito mais fácil. A única coisa em que perde é que não dá para
perfumar. Não dá para dar aquele beijo de batom no e-mail – mulher que deve
sentir falta dessas coisas, né? Então, bota os emoticons.
A música, em geral, anda
maltratada hoje em dia?
Sei lá, sou um cara
assim: se a banda toca isso, é isso o que tenho que dançar. Não posso perder
tempo teorizando sobre o que seria bom ou "e se fosse assim...". Perde-se um
tempo enorme querendo consertar o mundo. Então, deixa o mundo rolar e vai
acompanhando, cara! Não tenho tempo para pensar nessas utopias, porque tenho
que andar, tenho que me fazer presente, tenho que estar antenado a tudo o que
acontece. Tenho que fazer uma muvuca qualquer para sempre ser lembrado. Senão,
facilmente no mundo atual sou esquecido.
Gostaria que falasse um
pouco do filme Minha Fama de Mau. Apesar de ser uma cinebiografia sobre
você, li que muito do jeito dos atores foi aproveitado. Até onde pôde opinar e
dar pitacos?
Eu só escrevi o livro [Minha
Fama de Mau, de 2009]. O Lui Farias [diretor] que fez a
adaptação, escolheu o período da Jovem Guarda como foco do filme. Ele que fez
tudo. Vi a parte musical do que foi gravado pelos meninos cantando – o Chay
Suede e os outros atores. Gostei bastante. Mas, de resto, não vi nada, não
opinei nada, não fiz nada. Verei o filme igual a você: será surpresa. Mas dizem
que está bom...
Você abriu a porteira e
atravessou simplesmente todas as épocas do rock nacional. Do fundo do coração,
o que acha da safra atual?
Cara, tem gente boa pra
caramba. Em toda esquina tem alguém fazendo disco, mas é o tempo que filtra
quem é bom, quem é ruim. Há todo tipo de pessoa. Tem o cara que vai aprender a
tocar guitarra só para arrumar namorada, não vai dar certo! Dá certo quem quer
viver de música. O cara que diz: "Vou vencer nessa porra de qualquer jeito!
Quero tocar à noite, de manhã, na madrugada... toda hora! Vou aonde tiver que
ir". Esse vai dar certo.
E quem das safras mais
atuais você tem ouvido e tem gostado?
Hoje em dia, as bandas
de que gosto mais, por achar o som legal, por achar que têm uma cabeça boa,
pela persistência e tudo, são Vanguart, Terno e Suricato.
O quanto pode
transformar a vida do artista, seja lá a modalidade de arte que for, essa
perspectiva da extinção do MinC?
Ah, bicho, não sei! Isso
aí, eles que decidam lá, cara! Estou na estrada, fazendo música. As coisas
mudam de um dia para o outro: um dia tem Ministério, daqui a pouco já é
Secretaria de Cultura, depois volta o Ministério... Deixa eles discutirem
bastante e chegarem a uma conclusão. Tenho amigos mais preparados para definir
essas coisas, porque são mais politizados e mais integrados na discussão
principal. Sou apenas um soldado, apesar de fazer parte do Procure Saber. Nunca
falam o meu nome porque sou dos "outros" [risos]. Todo jornalista fala
isso: "O Procure Saber, de Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil e outros...".
Eu, Marisa Monte, Djavan, nós somos os "outros". Então, apesar de fazer parte, há
pessoas bem mais capacitadas para o discurso frontal do que eu. Quem não sabe
do assunto e fica dando palpite atrapalha.
Em Piracicaba, você vai
fazer o show de MeusLadosB?
Não, nem pensar [risos]!
Vou é tocar sucessos, um atrás do outro. É para o público que gosta do que toca
em rádio mesmo. Claro que canto umas três ou quatro novas, mas o resto é tudo
música conhecida.
Para fechar, costumo ler
em entrevistas jornalistas perguntando sobre aposentadoria. Isso me incomoda,
porque dá a impressão de que a própria mídia está querendo aposentar aquele
artista. E a você, incomoda?
Não me incomoda, não, porque a humanidade é
assim. Então, não adianta querer mudar. Sempre tem um e outro que vai por um
caminho diferente. Mas o importante é o que eu penso, o que faço. Leio essas
coisas, mas sigo a minha vida. Nada me abala nesse ponto.
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