Luah Guimarães no Fentepira: "somos feitos da presença do público"




Por Naiara Lima
Foto: Renato Mangolin
 

Nesta semana serão encenados dez espetáculos de diferentes estados brasileiros no 11º Fentepira (Festival Nacional de Teatro de Piracicaba). As peças foram selecionadas pelos curadores Valdir Rivaben e Maria Eugênia de Domênico, entre 225 inscritas. O público terá ainda a oportunidade de conversar com profissionais da área sobre as apresentações da programação. Duas foram as convidadas para serem as debatedoras em 2016, além de Maria Eugênia (que faz curadoria), Luah Guimarães, com quem conversamos. Na entrevista, ela revela seu pensamento sobre o fazer teatral, a importância dos festivais e comenta como será seu trabalho.


Sempre se espera muito de quem avalia os espetáculos. Você sente alguma pressão neste sentido?

Sinto a pressão de poder contribuir de alguma maneira com o processo dos artistas, não como uma crítica. Como sou atriz, gosto muito de pensar que os espetáculos estão em constante transformações em contato com o público. Gosto de dar retornos positivos aos trabalhos e de compreender como foi a pesquisa de construção de cada um deles.

Quais são os pontos principais que vocês costumam observar e apontar durante os bate-papos?

Observo se os corpos "falaram" o que a ideia do espetáculo e a concepção do trabalho queriam. Muitas vezes, nós, artistas, perseguimos uma concepção e esta pode explodir nos corpos dos atores, em suas vozes. A concepção do trabalho não precisa ficar restrita a um campo racional do pensamento. Costumo investigar se ela explodiu para todos os campos artísticos dos elementos da cena: atores, cenário, figurino, luz, música, projeção etc. Pesquiso em cena como se deu a contaminação entre os artistas. Sou uma atriz que atua há bastante tempo em companhia. Assisto para valer a um espetáculo, me coloco mesmo com público. Como uma criança que assiste a um show de mágica, embarco em tudo.
 

Qual é a importância desse olhar do debatedor para os grupos teatrais?
Como sou atriz, acho fundamental os artistas checarem se sua comunicação está atingindo o melhor que os próprios imaginaram que comunicariam. É importante esse momento de diálogo entre artistas. Um momento de troca sincero, afetivo. Para mim, é como uma roda de conversa, para que possamos pensar juntos o papel do teatro entre nós.
 

Faço parte da Mundana Companhia, que esteve em cartaz no Sesc Pompeia no primeiro semestre deste ano, com Na Selva das Cidades – Em Obras. A temporada acontecia às sextas, sábados e domingos, e todas as quintas-feiras nos encontramos com um pensador, um estudioso ou um artista para conversar sobre o nosso trabalho. Começávamos o encontro treinando diante do público e do convidado, e logo em seguida abríamos uma roda com ele. Foi um dos momentos mais importantes para a nossa equipe de artistas. Foi, inclusive, uma oportunidade de escuta sobre o nosso próprio trabalho, e crescemos muito com esses olhares críticos, com o nosso processo.
 
Fale da relevância desse olhar do debatedor para o público que acompanha as conversas.
É de uma riqueza inenarrável a presença do público num encontro como esse. Os artistas envolvidos podem ouvir do próprio público, e todos, juntos, podemos checar o papel daquele espetáculo e conversarmos sobre teatro trocando experiências. O mundo de hoje – com tudo sendo facilmente propagandeado virtualmente – não tem contribuído tanto para a troca de experiências. Sinto que estamos perdendo o hábito de uma escuta verdadeira, de parar para escutar o outro. E possivelmente esse outro tem uma opinião diferente da sua. Esse é o verdadeiro sentido do diálogo: ouvir o outro. Garanto que sou uma excelente pessoa para escutar o outro!
 

Acho a presença do público fundamental nesses encontros. Aproveito para encorajar todos que lerem esta entrevista para virem aos debates. Encontros como esse, entre artistas e público, são os mais especiais, pois são como se abríssemos o papel do teatro para além das salas de ensaios, das salas de espetáculos, e assim ampliamos seu sentido como um papel social, de transformação. Afinal de contas, acho que somos feitos da presença do público. Quer coisa mais gostosa do que sentarmos e conversarmos sobre o mesmo assunto em coletivo? Que prazer! Encaro como antigas rodas de contar histórias.
 
Quanto ganha a cidade em ter um festival de teatro?
É de fundamental importância! Assim como se o Fentepira se multiplicasse e todas as cidades também pudessem ter seus festivais. O evento faz a rede entre os artistas se ampliarem. Estes investigam seus caminhos artísticos entre outros públicos. Circular em arte é uma das maneiras mais assertivas de assegurarmos que o papel da arte seja transformador. Assim podemos nos sentir como cidadãos construindo um pensamento em rede bem mais afetivo e com o espírito de troca. Rir, chorar, se emocionar, pensar com o outro são uma das vias em que mais acredito para a transformação em um mundo melhor.
 

O Fentepira tem um batimento cardíaco que funciona para dinamizar o papel da arte. Uma pessoa que nunca foi vai e aquece seu coração para querer voltar mais. Sempre atrás de um festival tem uma grande equipe que trabalhou durante muito tempo para que pudesse acontecer. Essa energia está impressa por trás, e acho que é sentida pelo público a ponto de contaminá-lo para querer voltar.
 
Qual é a diferença em relação a manter espetáculos ao longo do ano disponíveis ao público?
Não conheço muito da realidade de Piracicaba, ou seja, não estou tão a par das temporadas durante o ano por aí. Porém, sem dúvida, ao longo do ano a cidade também precisa pulsar arte. Precisa ter ofertas, para que haja um processo de formação de público, que deve ver diversos espetáculos para ir se acostumando ao hábito da arte presencial. Se colocar na sua agenda que à noite ou à tarde vou assistir a determinada peça, então é um ritual, certo? Vou porque quero ir assistir, mas precisamos que a arte se torne vital para as pessoas. Ou seja: "quero ir porque necessito, porque é vital que eu vá, porque preciso ver o que o outro tem a me dizer e porque quero receber e quero trocar com o outro".


Para chegarmos a esse patamar – de necessidade vital da arte – leva bastante tempo. Porém, só acontece se a oferta de espetáculos for durante todo o ano. Bom, Piracicaba, estarei aí! Até já! Convido a todos para o Fentepira!

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